SOBRE A INTERDISCIPLINARIDADE
por Aldo de Albuquerque Barreto
"A Interdisciplinaridade não é mais o que costumava ser" são palavras de Pierre Jacob em seu artigo: "A philosopher's reflections on his interactions with a neuroscientist"no Seminário Virtual "Repensando a interdisciplinaridade" acontecido em: http://www.interdisciplines.org/interdisciplinarity com o patrocínio do "Centre National de la Recherche Scientifique" da França.
A questão da interdisciplinaridade, é dito, floresceu dos anos 70 a 90 para atenuar a maneira rígida e independente com que cada disciplina se posicionava na Academia. A partir de 1980, porém, a interdisciplinaridade tem sido usada para introduzir, com certo autoritarismo acadêmico, as soluções mal arrumadas para os problemas centrados nas dificuldades teóricas, metodológicas e práticas de uma área. As lacunas teóricas são preenchidas com uma reflexão estrangeira, com arcabouços prontos trazidos apressadamente de outras áreas.
Muitas vezes o modismo intelectual e acadêmico pode levar a uma prepotência homogeneizadora do pensamento em vigor, são posições fortes e de difícil questionamento. A teoria dos Sistemas e depois o Cognitivismo, cada um em sua época, são exemplos disso. Durante o reinado de cada "embasamento teórico conceitual", qualquer projeto que não tivesse sua explicação teórica ou sua metodologia centrada em seu pensamento normativo, sequer seria analisado.
Ian Hacking comenta o fato no Seminário acima citado:
"A idéia da raiz é aquela de uma disciplina onde você pode ver como a idéia se bifurca. Em uma mão, os professores religiosos e acadêmicos, os coordenadores, ou os artistas modernos que têm disciplinas criam campos do conhecimento, da compreensão e da atividade. Em minha opinião, o que importa é que diligentes pensadores e honestos ativistas respeitam as habilidades aprendidas e talentos de nascimento. Existirá sempre alguém que sabe mais do que você em seu campo ou pode fazer algo mais do que você pode. Não porque você é inexperiente no domínio, mas porque você, em determinado momento e tema, necessita a ajuda de uma outra pessoa. Eu nunca procuro a ajuda de uma pessoa 'interdisciplinary', mas somente de um 'disciplined'."
E segue: "Há hoje uma consciência crescente que os diagramas podem ter um papel fundamental na comunicação das idéias. Na Física moderna, o diagrama de Feynman é uma ferramenta indispensável do pensamento. Eu fiquei interessado nos diagramas em árvore. Neste campo há os cientistas cognitivos que discutem fortemente as hierarquias, as taxonomias. É isto uma questão interdisciplinar? Em um sentido, 'sim', e eu devo estar consultando peritos das disciplinas que são mutuamente entrelaçadas nesse foco pretendido.
Mas, em um sentido mais importante, a resposta é 'não': os acadêmicos altamente disciplinados ajudam sempre e individualmente o pesquisador externo em um projeto que seja fácil de explicar e de cativar a atenção.Eu respeito as perguntas levantadas por meus colegas, mas acho que vale a pena fazer uma indicação em relação às disciplinas que, embora de grande colaboração, não necessitam ser, no sentido amplo da palavra, 'interdisciplinares'."[*]
Um querer interdisciplinar não pode simplesmente transpor teorias e conceitos emprestados de um campo ou área para formar novo conhecimento em outra área. Este transporte de idéias, métodos, do pensar em si tem que respeitar as características existentes e manifestas da área que empresta, por exemplo, a Ciência da Informação com seu objeto, a informação, considerando todas as suas configurações fenomenais, suas qualidades, características e singularidades. Não basta pegar e trazer. É preciso estabelecer um canal formal de comunicação e relações entre as duas áreas.
A interdisciplinaridade é a observância partilhada de preceitos e normas acadêmicas e não se constrói na desordem da emergência. Assim, toda uma argumentação deve ser construída para a viabilidade da transmutação de conhecimentos que precisa estar clara e convincente. Deve estar, ainda, detalhadamente explícito como este pensar estrangeiro se insere no mundo do outro campo e, ao se inserir, não provocar estranhamentos teóricos e conceituais. A interdisciplinaridade é via de mão dupla e só acontece no trabalho conjunto e formalizado de grupos comuns.
Um bom exemplo desse desencontro de idéias é a Ciência Cognitiva, um trabalho conjunto de neurocientistas, biólogos, cientistas da computação, engenheiros e cientistas sociais, entre outros. Um primor de interdisciplinaridade por quantidade de campos.
A Ciência Cognitiva defende que as operações mentais podem se adequar a um sistema representacional do tipo algoritmo versus máquina para modelar e expor as funções cognitivas em determinado contexto. Assim, pelas normas da ciência cognitiva, podem ser representados em um modelo computacional a memória, a cognição, o raciocínio, o conhecimento e a representação do conhecimento.
Este modelo da Ciência Cognitiva nada tem a ver com o "cognitivismo", do qual nos fala Nick Belkin e outros. Este tem uma conotação humanista e filosófica de apropriação da informação por uma consciência subjetiva: acredita o conhecimento como fruto de um processo que envolve as cadeias do pensamento, processo complexo, ainda inexplorado, e não modelável como um centro de cálculo.
Olhar várias disciplinas instrui a criatividade e a multiplicidade é uma saudável nação da universidade e da ciência. Mas como diz o autor acima: "não necessitam, estas disciplinas, ser no sentido amplo da palavra 'interdisciplinares' só pela coexistência de interesses comuns".
Publicado em: Sobre a Interdisciplinaridade
http://www.datagramazero.org.br/dez04/Ind_com.htm