“Malogramos sempre ao falar do que amamos”
A estrutura de texto escrito é uma construção e
desconstrução de palavras colocadas e deslocadas. Uma estrutura de termos que é
pensada como elementos que se unem e formam um todo ordenado e com princípios
lógicos, com coerência de raciocínio e de ideias. A narrativa, assim, possui
características estruturais de uma escrita que admite análise das suas particularidades,
do viés de sua estrutura. É na nuance que um autor deixa a pista do que quer
nos revelar.
Nas palavras de Borges: “as palavras começam, em certo
sentido, como mágica ... Associando ao traço visível à coisa invisível, a coisa
ausente”. As palavras nos significam e nos definem e identificam. Como em “Malogramos sempre ao falar do que
amamos”, originalmente destinado a um colóquio sobre Stendhal em Milão foi o último trabalho de Roland Barthes. O autor depois de escrever seus textos
os datilografava, fazendo pequenas alterações de palavras. Barthes começa
“Malogramos sempre ao falar do que amamos” narrando um episódio imaginário
acontecido na estação de trem de Milão. Da plataforma, numa noite fria e
cinzenta, ele vê partir um trem destinado à cidade de Lecce. Ele se imagina viajando para lá até o
amanhecer; vê a luz, a doçura e calma fantasiadas. Saído do transe logo se lembra de parodiar Stendhal: “Então eu
vou ver essa bela Itália! Como ainda sou
louco nesta minha idade!” E acrescenta
uma frase que lembra os que não conseguem ter o seu amor correspondido: “Porque
a bela Itália está sempre longe, noutra parte”.
Temos frequentemente o sentimento que falhamos ao querer nosso
amor correspondido em diversos contextos que de nossa vida. A bela Itália está sempre tão longe e repetidamente
em outra parte. Aos que se afligem com estes “amores não correspondidos” deixo como
recado as palavras de Sêneca, o filósofo que no ano 41 da era cristã perdeu
tudo: amores, amigos, a carreira política e foi desterrado para local ermo na
Córsega:
“Jamais confiei na fortuna. Todas as bênçãos que ela
derramou sobre mim – riqueza e prestígio – releguei de tal maneira que ela
sempre pode retomá-las sem me causar aflição. Mantive sempre grande distância
entre ela e seus favores. A fortuna
apenas tirou-me o que me havia concedido, portanto, nada levou de mim.”
Aldo de A Barreto
Texto simplificado e revisto da postagem de 2010, “Palavras,
palavras soltas, deslocadas”
Imagem do Projeto Twins da Irlanda