segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

O medo fundamental




A série de livros infantis "As Crônicas de Nárnia" foi escrita pelo irlandês C.S. Lewis contando as aventuras que ocorrem em uma terra fictícia denominada Nárnia. Na história o bem tenta  dar combate ao mal, animais podem falar e criaturas mitológicas estão em todo lugar.  O sociólogo Bauman falando de seu livro,  “Medo líquido” reproduz algumas das condições que achamos imperam em uma terra de escolhidos.

“Os pensadores da revolução moderna tinham duas ambições espantosas  no  projeto do Iluminismo: reorganizar a sociedade segundo os princípios da razão, e submeter a natureza ao controle humano. Os seres humanos seriam finalmente libertados dos azares da contingência e protegidos dos golpes do destino e das catástrofes. A história humana seguiria, então, pela a lógica da razão, quer dizer, seria compelida a servir à causa da integridade  e da justiça e do discernimento. Contudo,  este projeto do Iluminismo,  que  continua inconcluso,  indica a essa altura  que há boas razões para se acreditar que ele não pode ser concluído."

A luta por justiça sempre foi uma luta para libertar-se do medo;  filósofos tentam explorar as sutis distinções semânticas da palavra justiça.  O injusto  é o anormal, o fora do comum, o inesperado, o sem-razão. O que todos nos tememos  é sermos rejeitados  por injustiça ou pelo desprezo e pela exclusão.  Há também o medo, em todas as classes, de não fazer parte do pensamento homogêneo indicado pela mídia. Ou seja, o foco da injustiça  passa pela sobrevivência social e por querer manter alguma dignidade social.

Libertar-se do medo também não é coisa simples em um local de esquemas de exceção. Sofremos  em todos os níveis sociais de um medo fundamental. Por temor fundamental quer se expressar  a condição cuidadosa em que o sujeito exerce a sua participação na esfera publica. É um medo com o que falar, com quem falar e sobre o que falar ou escrever. Um receio que detém uma maior participação pública, perdoa a corrupção e induz a  conivência como forma de tranquilidade social pelo  alheamento. O atuar e o viver da nossa vida na esfera política se projetam com  cuidado e com certo receio no estar coletivamente.

Nesta configuração temerosa a sobrevivência social e funcional  não é baseada em uma escala de méritos ou competência conquistada . É alcançada nas relações de ajuntamento partidário, parentesco, pândega, e ações entre amigos. E assim são decididas as preferências para as indicações, as comissões, os comitês: decisões de uma cultura do compadrio. 

O receio constante afeta o projeto do Iluminismo. E os excluídos  vivem em constante medo de ser atingidos, também, pela: “La mano de Dios” *  analogia usada para autenticar inverdades,  validar vitórias não vencidas e afastar os descontentes com o estado das coisas.

Aldo de A Barreto
2014
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*La Mano de Dios é o nome de um gol histórico marcado por uma seleção mundial em jogo válido pelas quartas-de-final da Copa do Mundo FIFA de 1986. Ao final do jogo, questionado sobre o gol feito com a mão, o jogador assim respondeu: “Lo marqué un poco con la cabeza y un poco con la mano de Dios”  







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