UMA ELEGANTE ESPERANÇA¹
[ Narrativa de quase 20 anos sobre uma historia do passado que eu trago para o presente por ter tido uma vivência de participação operacional nas transformações da coisa;esta postagem está disponível na web desde
“é preciso ser fiel ao sonho e não às
circunstâncias”
(Borges)
Quase ao final de seu romance "O Nome aa Rosa" , Umberto Eco², deixa falar o abade Jorge da biblioteca medieval, local onde a trama se desenvolve:
" Mas de nosso trabalho, do trabalho de nossa ordem e em particular do trabalho deste mosteiro faz parte - aliás é a sua substância - o estudo e a custódia do saber. A custódia digo, não a busca, porque é próprio do saber, coisa divina , ser completo e definido desde o início, na perfeição do verbo que exprime a si mesmo. A custódia digo, não a busca, porque é próprio do saber, coisa humana, ter sido definido e completado no arco dos séculos que vai desde a pregação dos profetas. Não há progresso, não há revolução de períodos na história do saber, mas, no máximo continua e sublime recapitulação."
É legítimo acreditar que o dogma medieval do saber estocado, que não pode gerar conhecimento perdura até os nossos dias? Neste caso o objeto da ciência da informação e do seu estudo seria unicamente o de promover à custódia, e só a custódia, do saber armazenado, sua organização e controle. E se assim for estas atividades de guarda e controle do estoque se reduzem a processos técnicos, que não justificam uma reflexão em nível de pesquisa e estudos de pós-graduação.
Contudo, se o objeto da ciência da informação for entendido como indo além das restrições medievais e incluindo não só a guarda do saber acumulado, mas também, o seu direcionamento e a intenção de se criar conhecimento, então existe um espaço para refletir a percepção da informação, como fenômeno que pode modificar a realidade. É compreensível, neste caso, que grupos de indivíduos se dediquem a pesquisa e ao ensino dos atos de informação, seus estoques e o seu relacionamento com o conhecimento; a modificação dos estoques de saber, os quais não podem mais ser considerados como: "contínua e sublime recapitulação "; tornam-se crescentes, modificados e modificadores de estruturas.
A produção ou geração do conhecimento em indivíduos, grupos de indivíduos, empresas e a sociedade é o fenômeno essencial em um processo de produção e transferência da informação. Neste sentido, qualquer unidade de informação trabalhando com o gerenciamento , organização, controle e transferência da informação, possui duas funções básicas e um destino final.
A primeira função é definida como a produção de informação, que se operacionaliza com práticas bem definidas , apoiadas em um processo de transformação, que se orienta por uma racionalidade técnica , que lhe é específico; estas práticas são representadas por atividades relacionadas com a: reunião, a seleção, o processamento e o armazenamento da informação.
A produção de informação se acumula, continuamente, para formar os estoques, que são quantidades estáticas de informação armazenadas em acervos, em geral em bibliotecas, arquivos, museus, bases de dados, redes ou de sistemas de informação. Os estoques estáticos de informação são indispensáveis ao processo de geração de conhecimento. Mas por si só não efetivam este processo.
A produção ou geração de conhecimento no indivíduo, seu grupo ou a sociedade ocorre em com uma articulação mais ampla, com a intermediação da segunda função, que atribuímos a qualquer unidade de informação, que é a função de transferência da informação.
A assimilação da informação é a finalização de um processo de aceitação da informação que transcende o seu uso. A assimilação da informação cria conhecimento no receptor e em sua ambiência. Este é o destino final do fenômeno da informação: criar conhecimento modificador e inovador do indivíduo e seu contexto. Conhecimento que referencie tanto o indivíduo como o contexto a um melhor estágio de desenvolvimento.
Contudo, o indivíduo não é homogêneos, assim como é o tratamento técnico da informação , que realiza a constituição dos estoques . A realidade onde se pretende que a informação atue para gerar conhecimento é fragmentada em suas condições políticas, econômicas e culturais. Os habitantes desta realidade são multifacetados em suas competências para absorver a informação, diferenciando-se, em aspectos como: grau de instrução, nível de renda, acesso aos códigos formais de representação simbólica, acesso e confiança nos canais de transferência da informação, estoque pessoal de conhecimento acumulado e sua competência na decodificação e utilização do código linguístico comum.
Harmonizar o estoque de informação produzida e disponível na sociedade, com a sua transferência visando à assimilação, que opera o conhecimento é a intenção maior de todos aqueles que trabalham com a informação, particularmente a informação em ciência e tecnologia. Deveria ser também, uma preocupação de todos aqueles que lidam com o ensino e a pesquisa em ciência da informação.
Uma breve historia do tempo da ciência da informação
A preocupação com o ensino na área de ciência da informação, no Ibict e no Brasil começou em 1956, dois anos após a fundação do então IBBD (Instituto Brasileiro de Bibliografia e Documentação). Neste ano foi oferecido um Curso de Especialização de Pesquisas Bibliográficas para a área de Ciências Médicas. O curso de espacialização transformou-se no CDC - Curso de Documentação Científica que, foi oferecido por cerca de 40 anos sem interrupção.
O curso de mestrado em ciência da informação do Ibict, teve seu início em 1970, refletindo a preocupação europeia e americana com a formação de recursos humanos para lidar com a excessiva produção de informação científica e tecnológica surgida no pós guerra. Foi a conscientização, no Brasil, para o necessidade de organizar e controlar a informação como uma ferramenta para o próprio desenvolvimento da ciência e da tecnologia.
A estrutura do mestrado em ciência da informação do Ibict passou pôr três fases bem definidas. A primeira de
No período de 1983 até 1992, o curso de mestrado, já como uma unidade do Programa de Pós-Graduação da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, adotou uma estrutura mais flexível na obrigatoriedade de suas disciplinas. O estudante com seu orientador elaborava um programa de estudo diferenciado, de acordo com a sua necessidade e a do seu contexto informacional específico. Nesta fase o curso adotou o discurso da interdisciplinaridade.
A terceira fase, a partir de 1992 coincide com o início do Doutorado em Ciência da Informação, como uma estrutura independente dentro do Programa da ECO/UFRJ. O Doutorado modificou expectativas do corpo docente e discente em relação a todo o Programa de Pós-Graduação. Com o doutorado e após, um exercício um ano de reavaliação do programa pelos seus docente e discentes, e pelas agências de fomento e controle do governo, o mestrado foi reduzido para 30 meses de duração, com menor número de créditos mas, sem perda de sua proposta de flexibilidade e interdisciplinaridade.
O desenvolvimento da ideia do doutorado em Ciência da Informação teve o seu início em 1986, quando foi aberta uma linha de pesquisa específica para a ciência da Informação , dentro do Doutorado em Comunicação da ECO/UFRJ. Esta linha que titulou doutores foi a semente facilitadora do doutorado independente de 1992. O doutorado em 1992 foi o primeiro no Brasil, uma ousadia que lutou contra muitos entraves, mas que possibilitou a formação de docentes para que fossem abertos outros cursos de doutorado no país.
Os vinte e dois anos (1970/1992) de experiência na especialização e no mestrado permitiram a sedimentação do novo curso de doutorado. Muitos alunos que já se graduaram no doutorado, retornaram ao mercado de trabalho e à academia e estão enriquecendo e reformatando a área. Os projetos de pesquisa dos alunos: da área de biblioteconomia, arquivos e museologia permitiu uma reflexão teórica adequada que parece indicar estar havendo uma maior e melhor compreensão e debate dos paradigmas dominantes da área de informação como um todo.
A esperança
A pós-graduação em ciência da informação existe e muitos entendem a sua importância em um mundo mais interdependente, onde a informação referência o homem a sua aventura individual e sintoniza a sua consciência a um contexto individual dentro das condições globais.
Contudo, não são poucos os que acreditam que a informação, ainda está colocada em uma ambiência medieval como no mosteiro de Umberto Eco. Ou que, os problemas de informação devem estar voltados para aplicações de curto prazo e atender sempre a temperança de um fantasmagórico mercado.
Para estes o trato com a informação se resume na extravagante alegria de supor a existência de um enorme acervo, cabendo aos seus guardiões unicamente o estudo da melhor disposição das estantes e da colorida arrumação dos seus livros³. Não conseguem entender uma reflexão sobre estas práticas. Estes, porém, estão confundindo forma e conteúdo, estrutura e fluxo, poder e complacência. Pedimos, então, para Borges ³ nos dar o final:
" Quando se anunciou que a biblioteca incluía todos os livros, a primeira impressão foi de extravagante alegria. Todos se sentiram donos de um tesouro secreto e intacto. Não havia problema pessoal ou universal para o qual não existisse uma solução eloquente - num hexágono qualquer. O universo estava justificado, o universo expandia-se de súbito até a ilimitada dimensão da esperança. A biblioteca é uma esfera cujo centro cabal é qualquer hexágono, cuja circunferência é inacessível. Se um eterno viajante a atravessasse em qualquer direção, comprovaria que os volumes se repetem na mesma desordem ... Minha solidão alegra-se com esta elegante esperança."
Não compete a uma área de conhecimento e seus idealizadores justificar continuamente a sua importância e a sua existência e seus caminhos. Seu desenvolvimento não se vincula ao mercado, mas ao capital cultural de uma sociedade. Este reconhecimento deve ser espontâneo e meritório. Resta-nos, portanto, aguardar com uma elegante esperança.
NOTAS :
1 - Artigo revisto e adaptado em
2 - ECO, Umberto - O Nome da Rosa, Nova Fronteira, 13ª edição, Rio de Janeiro, 1983 (pp. 452)
3 - BORGES, Jorge Luis - A Biblioteca de Babel, em Ficções, 5ª edição, Ed. Globo, S.P., 1989.
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